DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: FUNDAMENTO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL
RESUMO: Este trabalho trata essencialmente da necessidade de proteção real do direito material lesado ou ameaçado de lesão, conferindo efetividade à prestação jurisdicional. Nesse prisma, não há como fugir do fato de que a Constituição Federal e o Processo se relacionam de forma mais densa do que se verifica inicialmente, uma vez que a tutela jurisdicional, muito mais que um poder estatal, trata-se de garantia constitucional indisponível, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, o objetivo da tutela jurisdicional eficaz é uma proteção real do direito assegurado pela norma material, e não apenas uma tutela formal. No entanto, é indiscutível que a prestação jurisdicional demanda tempo, eis que os atos processuais exigidos para a composição da lide são necessários à segurança jurídica. Entretanto, tais procedimentos podem macular de inocuidade o direito material reclamado ou até lhe ser letal. Assim, as tutelas jurisdicionais de urgência vêm como um recurso indispensável ao ordenamento jurídico, sendo instrumentos idôneos para sanar os efeitos deletérios do tempo no processo, se demonstrado o periculum in mora. Encontram fundamento na Constituição Federal, na medida em que esta prescreve o direito fundamental de acesso à Justiça, entendido sob a ótica da efetividade. Está claro que referida garantia ultrapassa o mero acesso ao Judiciário, que se alia à efetividade e celeridade dos atos processuais. Este trabalho defende a idéia de que as medidas de urgência, além de seus requisitos autorizadores legalmente previstos, estão abalizadas no princípio fundamental de toda ordem jurídica: a dignidade da pessoa humana.
Palavras-Chave: Tutelas de Urgência. Efetividade da Prestação Jurisdicional. Dignidade da Pessoa humana.
ABSTRACT: This work deals essentially with the real need to protect injured or threatened injury right equipment, assigning effectiveness of adjudication. In this perspective, there is no escaping the fact that the Federal Constitution and the process relate more densely than initially checks, since judicial review, much more than a state power, it is the constitutional guarantee stock, based on the principle of human dignity. Moreover, the goal of effective judicial protection is a real protection of the law guaranteed by the substantive rule, not just a formal guardianship. However, it is undisputed that the jurisdictional provision demands time, behold, the procedural steps required for the composition of the dispute are required to legal certainty. However, such procedures may macular safety of the equipment claimed to be right or you lethal. Thus, the judicial tutelage of urgency come as an indispensable resource for the legal system, being suitable to remedy the harmful effects of weather instruments in the process is demonstrated in the periculum in mora. Basis in the Constitution, in so far as it prescribes the fundamental right of access to Justice, understood from the perspective of effectiveness. It is clear that such warranty beyond mere access to the Judiciary, which combines the effectiveness and speed of procedural acts. This work supports the idea that the emergency measures, beyond their authorizers requirements provided by law, are authoritative in the fundamental principle of all legal systems: the dignity of the human person.
Keywords: Emergency Guardianship. Effectiveness of Constitutional Provision. Dignity of the human person.
1. INTRODUÇÃO
Não se olvida que o fundamento da ordem jurídica de um Estado de Direito se encontra em sua Constituição, a qual outorga validade às demais normas que integram seu sistema jurídico, caso estas estejam em conformidade com seus preceitos. Isto se justifica por que na Constituição estão traçados os princípios elementares da ordem jurídica do Estado, bem assim de suas regras instituidoras, tais como a separação dos poderes e organização de seus órgãos segundo uma distribuição de competências, além de ser nela que se fixam os direitos fundamentais.
Com base neste postulado é possível afirmar que todas as normas infraconstitucionais devem estar em consonância com as regras e princípios constitucionais para serem consideradas válidas. Esta realidade estrutural deve ser considerada não apenas no momento da criação das leis, mas também em sua interpretação e aplicação.
Defende-se, portanto, que as normas de direito processual também se submetem aos valores constitucionais, por se referir aos direitos humanos em sua integralidade, os quais, como outrora apontado, devem servir de parâmetro para a criação, interpretação e aplicação das normas, sejam elas de qualquer grau hierárquico, sob pena de ferir os preceitos fundamentais da Constituição.
A este respeito, Ingo Wolfgang Sarlet (2002, p. 68), esclarece que a nossa Constituição “reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”.
Ademais, vale destacar que a atual Constituição Federal do Brasil tem entre os pilares da ordem jurídica brasileira, os quais estão baseados diretamente nos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, um dos superprincípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Destarte, o Estado brasileiro reconhece como fundamento da ordem constitucional a dignidade da pessoa humana.
Saliente-se que os direitos humanos norteiam todo o ordenamento jurídico, impondo sua observância em toda atividade e em qualquer esfera de poder, com destaque para o Poder Judiciário cuja atividade tem como finalidade precípua a busca pela justiça. A dignidade da pessoa humana deve permear, portanto, qualquer decisão judicial, sob pena de ferir frontalmente a Constituição.
Usando as palavras de Norberto Bobbio (2004, p. 23), é possível afirmar que, “a realização dos direitos do homem é uma meta desejável” por todos os envolvidos. Porém, o problema que se enfrenta em nossos dias não consiste em apenas reconhecer tais direitos, fundamentá-los ou justificá-los, eis que a própria história e os fatos fundantes se encarregaram dessa missão.
Atualmente, a problemática consiste na busca pela proteção e promoção dos direitos humanos; ou seja, buscam-se garantias válidas para efetivá-los. Em outras palavras, Norberto Bobbio (2004, p. 31) sintetiza esta idéia:
Quando se diz que a Declaração Universal representou apenas o momento inicial da fase final de um processo, o da conversão universal em direito positivo dos direitos do homem, pensa-se habitualmente na dificuldade de implementar medidas eficientes para a sua garantia numa comunidade como a internacional [...].
Objetivando imprimir efetividade à prestação jurisdicional é que o presente trabalho defende as tutelas de urgências, apoiando-se não somente na almejada celeridade dos atos processuais, mas também e, principalmente, na dignidade da pessoa humana, já que as atividades humanas, em sua essência, têm como missão garantir o aperfeiçoamento e a efetividade dos direitos humanos. Desta feita, na seara jurídica, através da prestação jurisdicional, não se poderia agir de modo diverso.
2. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS SEGUNDO O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Diante da idéia basilar do presente estudo, insta avaliar a força interpretativa e aplicativa do princípio da dignidade da pessoa humana. Despiciendo, porém, tecer aqui qualquer comentário acerca de hermenêutica, correntes de interpretação ou fontes de aplicação do direito, posto que não enriqueceria o trabalho.
Cumpre, neste tópico, tão somente enfatizar um entendimento que, atualmente, dispensa embates doutrinários, já que é pacífico na doutrina que os direitos humanos possuem valor absoluto, além de estarem explícitos na Constituição Brasileira e em diversos documentos internacionais, servindo, por conseguinte, como parâmetro de interpretação e aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo expressiva a lição de Paulo Bonvavides (2003, p. 601) ao asseverar que “os direitos fundamentais são a bússola das Constituições”.
Considerando, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado na criação, na interpretação, bem assim na aplicação da lei e, considerando ainda, que as normas processuais possuem caráter eminentemente instrumental, objetivando primordialmente a garantia dos direitos substanciais, resta claro que referido princípio serve de fundamento para o juiz decidir acerca da tutela de urgência pleiteada pelas partes num processo judicial.
3. O PROCESSO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
É cediço que a busca da efetividade da tutela jurisdicional deve preceder a criação da norma processual, momento em que o legislador, deve ter como princípio ou base a realização da tutela prometida pelo direito material, instituindo procedimentos e técnicas processuais adequadas, aptas a realizar essa missão.
Não se olvida, porém, que tais procedimentos somente adquirem corpo quando aplicados a casos concretos, via judicial. Destarte, compete ao juiz, servindo-se do poder geral de cautela, adotar procedimentos judiciais idôneos, visando dar efetividade ao direito ameaçado ou lesado. É por isso que o direito à tutela jurisdicional efetiva insere-se no contexto de proteção aos direitos humanos. Senão vejamos o que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 10:
Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Esta realidade se reflete em outros documentos na ordem internacional, os quais se sucederam à Declaração dos Direitos Humanos, de conteúdos semelhantes. Exemplos dignos de nota são o Convênio Europeu para Proteção dos Direitos Humanos, firmado em Roma em 1950[2].
Na ordem nacional, a Constituição garante o acesso à Justiça em seu art. 5º, inciso XXXV, estabelecendo que eventual violação de direito, mediante lesão ou ameaça, e desde que buscada a prestação jurisdicional, caberá ao Poder Judiciário intervir. Vale acentuar que o texto deste dispositivo deve ser interpretado sob a ótica dos direitos humanos, haja vista serem estes a “pedra fundamental” da ordem constitucional.
Por outro lado, é incontestável que a tutela jurisdicional não significa apenas a garantia de ingresso em juízo, tampouco que este seja favorável ao autor, e, sim que haja resolução da lide de forma justa, efetiva e com uma duração razoável[4]. Tal se justifica pelo princípio da inafastabilidade do poder judiciário inserto no referido dispositivo constitucional.
Saliente-se, entretanto, que as tutelas de urgência não devem se restringir ao acesso à justiça sob o aspecto da celeridade, mas, sobretudo como instrumentos idôneos de concretização dos direitos e garantias fundamentais, fundados principalmente na dignidade da pessoa humana.
Deve-se acentuar, também, outro preceito constitucional igualmente justificador das tutelas de urgência. Trata-se do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Não restam dúvidas de que as tutelas de urgência têm fundamentação constitucional por se tratar de instrumento de efetivação de direitos humanos. Destarte, qualquer ato ou omissão tendente a restringir sua aplicabilidade ou tornar inviável o exercício do direito à tutela de urgência, configura ofensa direta a um dos pilares do Estado Democrático de Direito, o devido processo legal.
4.2. REQUISITOS E COMPONENTES INDISPENSÁVEIS À EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA
Tutela de urgência é gênero que abarca todas as espécies de medidas destinadas a evitar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito material ou substancial, proveniente da demora da prática dos atos processuais. Dentre as espécies de tutelas de urgência destacam-se as tutelas cautelares e as tutelas antecipadas.
Em breves palavras e segundo elucidativo ensino de José Roberto Santos Bedaque (2006, p. 162), as tutelas cautelares têm a função de:
[...] assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, evitando prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao titular de direito provável, passível de se verificar durante o processo de cognição plena ou causado pela demora na entrega da tutela final.
Para obtenção do provimento cautelar, são indispensáveis a presença do fumus boni iuri, que se traduz na probabilidade da existência do direito afirmado pelo requerente da medida, e do periculum in mora, que se refere ao fundado receio de que o direito afirmado pelo autor, de existência apenas provável, padeça de um dano irreparável ou difícil reparação.
Acerca do requisito do perigo da demora, Teori Albino Zavascki (1997, p. 49), afirma que “quando se fala urgência, em dano, em periculum in mora, está-se falando em fatos e não em abstrações. Perigo é um fenômeno concreto e não formal”. Outrossim, a tutela antecipada tem como finalidade precípua obter os efeitos do provimento jurisdicional em momento anterior à prolação da sentença. Trata-se de um fenômeno digno de nota, eis que caracteriza a quebra do normal rito processual, e para obter tal pretensão, necessária se faz a presença de determinados requisitos previstos em lei, aliados à existência de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações, todos previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil.
Vale reiterar que tais institutos – antecipação da tutela e tutela cautelar –, embora distintos em sua finalidade, derivam do mesmo gênero, qual seja, tutela jurisdicional de urgência. Nesse passo, importa ressaltar que nos escopos jurídicos e sociais destes institutos, encontram-se suas similitudes: precaver-se dos efeitos deletérios do tempo sobre o direito material tutelado no processo.
Considerando estes pontos de intersecção, José Roberto Santos Bedaque (2006, p. 307), observa:
Nessa linha, as tutelas provisórias devem ser reunidas e receber o mesmo tratamento. Inexiste razão para a distinção entre a tutela cautelar conservativa e a antecipação dos efeitos da tutela de mérito. Ambas são provisórias e instrumentais, pois voltadas para assegurar o resultado final. São técnicas processuais com idêntica finalidade e estrutura. Não há porque distingui-las.
Não desmerecendo as respeitáveis posições doutrinárias contrárias e sem pretender adentrar ao mérito da fungibilidade das tutelas cautelar e antecipada, importa para efeito deste trabalho, a idéia de instrumentalidade do processo, especificamente no que tange aos procedimentos tutelares de urgência, cujo objetivo maior consiste em sanar os efeitos deletérios do tempo sobre processo e prestar efetividade aos direitos humanos, evitando que o excesso de formalismo comprometa a realização do direito, mormente em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
5. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA MOTIVADA NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Não se olvida que os atos processuais demandam tempo para composição da lide e que para a prática de cada ato existem prazos definidos em lei, objetivando a segurança jurídica nas relações processuais.
É cediço, ademais, que o tempo pode causar danos irreparáveis ou de difícil reparação ao direito reclamado e, por consequência, às partes. Somam-se ao fator tempo, outras causas ligadas à morosidade da prestação jurisdicional, tais como “a ineficiência do velho procedimento ordinário” (MARINONI, 2007, p. 195).
Diante da necessidade premente de celeridade e da busca de efetividade da tutela dos direitos, surgiram as tutelas de urgência.
Primeiramente, a tutela cautelar, cuja finalidade é apenas assegurar a viabilidade da realização do direito, mas que durante muito tempo serviu, inadequadamente, como instrumento para todas as situações que reclamavam urgência na prestação jurisdicional. Em seguida, o legislador pátrio introduziu no ordenamento o instituto da antecipação da tutela, cuja norma vem expressa no artigo 273 do Código de Processo Civil.
Nesse compasso, tem se proclamado que as tutelas de urgência têm como fundamento driblar a morosidade da prestação jurisdicional, reduzir os efeitos prejudiciais decorrentes da morosidade na prestação jurisdicional e, ainda, imprimir celeridade ao processo, em cumprimento ao princípio constitucional de acesso à ordem jurídica justa. Justificam tal postura do legislador as situações de urgência (periculum in mora) que fundamentam a decisão judicial.
Não seria desarrazoada a fundamentação no princípio da efetividade e da instrumentalidade do processo, posto que neles se inspirou o legislador para introdução das tutelas de urgência no sistema processual brasileiro (DESTEFENI, 2002).
A legitimação constitucional das tutelas de urgência seria, por certo, um dos fundamentos legais de tal decisão. Teori Albino Zavascki (1997, p. 58) afirma que o poder do juiz de conceder as tutelas de urgência “tem sua origem, sua fonte de legitimidade e se seu âmbito de eficácia demarcados diretamente pela Constituição”.
Sem prejuízo de qualquer dos fundamentos acima elencados, mormente da legitimação constitucional, imperioso se faz mencionar que a efetivação dos direitos humanos permeia toda decisão em sede de tutela de urgência.
Trata-se, in casu, de o juiz fazer uma análise de todo o sistema fundante do direito, perpassando pela idéia de que o direito processual é instrumental e tem por objeto a resolução da lide levada pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário, buscando a tutela jurisdicional de seu direito supostamente lesado.
Antes de qualquer análise, convém lembrar que o acesso à justiça, direito tutelado na Constituição Federal, não significa apenas e tão-somente em mera garantia de processo formal, mas de processo substancial, no sentido de efetividade, o que dentre outros aspectos tem íntima comunhão com o tempo do processo.
Além do que, como já frisado anteriormente, o direito à tutela jurisdicional efetiva é, conforme palavras de Marcos Destefenni (2002, p. 329), “uma garantia constitucional indisponível”. E diz mais:
A norma do inciso XXXV do artigo 5º da CF, mais do que um poder estatal, estabelece uma garantia fundamental de acesso ao Poder Judiciário, ao qual corresponde o dever da prestação de uma tutela jurisdicional diferenciada e efetiva.
Há, portanto, como corolário do direito à tutela efetiva, o direito constitucional à tutela de urgência. (2002, p. 329-330)
Infirmada as premissas da inafastabilidade do controle jurisdicional e do acesso à justiça, imperioso é que o magistrado observe as regras processuais, consubstanciadas em lei, como a presença dos requisitos específicos, fixação de competência, sem, contudo, desprezar a garantia, também constitucional do contraditório e da ampla defesa.
É inolvidável que presentes os requisitos do periculum in mora e da plausibilidade do direito alegado, as demais regras poderão ser, em princípio, relegadas a um segundo plano. Não se trata de desprezo às formalidades que garantem segurança às relações jurídicas e ao próprio processo, mas de ponderação de princípios e de direitos tutelados.
E é exatamente neste ponto que o magistrado deverá, em casos de urgência agônica comprovada, se necessário for, priorizar o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana presentes na Declaração dos Direitos Humanos, deferindo o pedido liminar e apenas após a efetivação deste, depois de afastado o perigo da demora, determinar o encaminhamento do processo ao juízo competente.
Esta decisão poderia, sem dúvida, ser embasada no princípio da dignidade da pessoa humana, buscando sua legitimação na Declaração dos Direitos Humanos, eis que se trata de documento ético-político, mas também jurídico. Neste sentido, importante esclarecimento faz Fábio Konder Comparato (2005, p. 224) ao discorrer acerca da força jurídica da Declaração: “Ora, os direitos definidos na Declaração de 1948 correspondem, integralmente, ao que o costume e os princípios jurídicos internacionais reconhecem, hoje, como normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens)”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo exposto, é possível afirmar que as tutelas de urgência possuem natureza constitucional. O sistema processual brasileiro buscou, portanto, na Constituição Federal, a legitimação para a concretização das tutelas de urgência, principalmente, no princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário em casos de ameaça ou lesão a direito.
Ademais, como é amplamente propalado na doutrina dominante, do princípio acima, decorrem todos os demais princípios processuais, como, por exemplo, o da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional, bem como da instrumentalidade do processo.
Inolvidável, também, que se encontra na Constituição Federal a garantia da segurança jurídica e, à luz desta garantia, foram criadas as regras procedimentais e pressupostos processuais, permitindo que a lide seja conhecida de forma a dar o máximo de efetividade e justiça às decisões.
Neste sentido, as tutelas de urgência, têm cada qual em sua especificidade os requisitos de admissibilidade, bem como as regras de competência. O perigo da demora causado pela delonga dos ritos processuais pode causar danos irreversíveis ou de difícil reparação às partes, sendo, portanto, o periculum in mora o requisito comum das tutelas de urgência.
Diante de casos de urgência agônica e verificando o magistrado a presença dos pressuspostos, poderá o magistrado, conceder a tutela de urgência, seja medida cautelar ou tutela antecipada em sede de liminar, baseado apenas em cognição sumária, sem que isto seja considerado um atentado ao direito de defesa do réu, postergado para momento ulterior.
Pode ocorrer, porém que, inobstante, estejam presentes os requisitos permissíveis para a concessão da tutela de urgência, outros fatores impeçam o conhecimento da lide pelo magistrado. É o caso do juiz incompetente segundo regras processuais que disciplinam a competência dos órgãos do Poder Judiciário.
Em tais casos, considerando todos os princípios consubstanciados na Constituição Federal e orientados pelo poder geral de cautela, poderá o juiz, para evitar lesão a um bem juridicamente tutelado, deferir tutelas de urgência.
Ocorre que as decisões judiciais tomadas em sede de urgência não dispensam a fundamentação. Não olvidando os princípios expressos na Constituição Federal, para desprezar a regra de competência considerada absoluta, é preciso mais que ponderação de princípios, mas na efetivação dos direitos humanos expressos na Declaração dos Direitos Humanos em 1948, tendo em vista tratar-se de um documento de natureza ética, política e jurídica, arcabouço de inúmeras constituições nacionais, eis que fundada no princípio da dignidade da pessoa humana.
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[2] "Art. 8º. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza"
[4] “Art. 5º. [...]: XXXV - A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.